Como evoluir de ferramentas isoladas para workflows automatizados que transformam pesquisa em estratégia
Time “prefiro ouvir”? Podcast-resumo (NotebookLM) — pratiquei a orquestração: pedi pra IA gerar uma conversa sobre os pontos principais do artigo. Ouça aqui ⬇️
Quando comecei a usar IA em UX Research, tinha certeza de uma coisa: o ChatGPT era revolucionário. Mas também tinha certeza de outra: não era suficiente.
Sei que não estou sozinha nessa percepção. Conversando com colegas da área, percebo que muitos de nós estamos no mesmo barco — experimentando com IA, mas ainda usando ferramentas de forma isolada, copiando e colando entre plataformas, perdendo contexto no caminho. É como ter instrumentos incríveis mas não saber tocá-los juntos em uma orquestra.
O momento atual do mercado de UX Research é, sem meias palavras, desafiador. Segundo o Nielsen Norman Group¹ e Indeed Design², as vagas para UX Researchers caíram 73% entre 2022 e 2023. O Panorama UX 2023 da UXPA São Paulo mostrou que a taxa de desocupação na área atingiu 9%, superando até a média nacional. E embora não seja pessimista por natureza, reconheço a realidade: está difícil. Para profissionais iniciantes, ainda mais.
Mas justamente por isso, acredito que este é o momento de evoluir. Não apenas usar IA — mas orquestrá-la.
O Problema da IA Isolada
Durante meses, trabalhei assim: Survicate para coletar feedbacks e rodar pesquisas. ChatGPT e Grok para categorizar centenas de comentários de NPS. Google Meet para transcrever entrevistas. Notion AI para documentação. IA nativa do Survicate para gerar nuvens de palavras — que, sejamos honestos, ainda não estava 100% confiável.
Cada ferramenta prometia facilitar minha vida. E de certa forma, facilitava. Mas o processo real? Exportar dados, copiar para planilha, colar no ChatGPT para categorização, validar manualmente (porque os resultados eram inconsistentes), documentar no Notion, voltar ao Survicate para cruzar métricas. E recomeçar o ciclo.
O resultado? Retrabalho constante. Perda de contexto entre ferramentas. E pior: gastando 80% do tempo fazendo “copy-paste” entre sistemas, usando apenas 20% do potencial real das IAs.
Era literalmente trocar a roda com o carro andando. Enquanto eu estabelecia um processo, o ChatGPT lançava nova versão. Quando entendia prompts para clusterização, surgiam ferramentas novas. A cada semana, outro webinar prometendo “o jeito certo” de usar IA em research.
A verdade que percebi: a IA não substitui UX Research — ela amplifica a capacidade estratégica do pesquisador. Mas para isso acontecer, não basta usar ferramentas isoladamente. Precisamos sair da fase de “experimentação caótica” e entrar na fase de “orquestração intencional”.
E você? Já se pegou com 15 abas abertas tentando fazer cinco ferramentas de IA conversarem entre si? Foi exatamente aí que comecei a procurar uma solução melhor.
A Evolução: De Ferramentas para Workflows
Este ano, investi pesado em aprendizado. Fiz workshops de experimentação com IA, explorei N8N em produtos (ferramenta de automação visual que permite conectar APIs e criar workflows sem código), e estou aprofundando meus estudos em segurança da informação — porque conectar sistemas exige responsabilidade com dados.
O ponto de virada veio essa semana: nosso novo colega André Comparini (Engenheiro de Software), junto com o time de segurança, aprovaram o uso do Cursor dentro da empresa.
Por que Cursor e não apenas usar Claude diretamente? Três razões:
Custo. Rodar workflows complexos direto na API do Claude sai caro. O Cursor oferece um modelo de uso mais previsível para desenvolvimento.
Controle local. Trabalho com dados sensíveis de usuários. O Cursor roda no meu ambiente, com acesso via MCP (Model Context Protocol) — o que significa que posso conectar ferramentas mantendo governança sobre onde os dados trafegam.
Integração real. Não é só conversar com a IA. É ter a IA integrada ao editor, entendendo meu código, meu contexto, minhas credenciais já configuradas. Combinado com N8N, consigo orquestrar Mixpanel, Survicate, Figma e Notion em workflows automatizados que rodam sem eu precisar ficar copiando e colando entre sistemas.
Poderia fazer tudo via API do Claude? Sim. Mas seria mais caro, menos seguro, e exigiria muito mais setup manual. O Cursor trouxe o equilíbrio entre poder e praticidade.
Um exemplo prático
Recentemente, fechei uma pesquisa quantitativa com 1.300 respondentes (95% de confiança, 3% de margem de erro) no Survicate. Além das métricas, tinha 600 comentários abertos para analisar.
O que fiz (da forma antiga): Usei IA para ajudar na codificação. Exportei os comentários, dividi em blocos, joguei no ChatGPT para categorizar, validei manualmente, organizei em planilha. Funcionou? Sim. Mas ainda levou dias de trabalho repetitivo.
O que estou construindo agora (com orquestração): Um workflow via N8N + Cursor que vai automatizar todo esse processo:
- Exportar comentários do Survicate via API
- Categorizar e clusterizar via LLM (com prompts alinhados às hipóteses de pesquisa)
- Cruzar insights qualitativos com dados comportamentais do Mixpanel
- Identificar correlações entre métricas de uso e feedback espontâneo
- Gerar relatório estruturado automaticamente no Notion
- Alertar stakeholders via Slack quando surgirem insights críticos
A diferença? Horas em vez de dias. E meu tempo livre para análise estratégica, não operação manual.
Na próxima pesquisa desse tipo, não vou passar dias codificando. Vou apertar “run” no workflow, revisar os outputs, e focar no que realmente importa: validar padrões, identificar nuances, e transformar dados em recomendações que movem produto.
É aqui que a senioridade entra — não em fazer o trabalho braçal mais rápido, mas em não precisar fazer trabalho braçal.
As ferramentas da orquestração
Para quem quer começar, aqui está o que venho usando (e por quê):
1. N8N (Orquestração de Workflows)
Open-source, permite conectar APIs visualmente sem ser desenvolvedor full-stack. Segundo artigo da UIIntent³, o N8N está sendo adotado por times de UX justamente para automatizar processos como coleta de feedback, análise de dados e alertas baseados em sentimento. É o “maestro” que faz as ferramentas conversarem.
2. Cursor (Desenvolvimento Assistido por IA)
Fork do VSCode com IA nativa e acesso via MCP (Model Context Protocol). Permite criar scripts e integrações conversando em linguagem natural, mas com controle local sobre dados sensíveis. Aprovado pelo nosso time de segurança justamente por esse equilíbrio entre poder e governança. Game-changer para quem não tem background forte em programação.
3. Stack de Ferramentas Conectadas
- Survicate: Pesquisas e feedbacks (entrada de dados)
- Mixpanel: Analytics comportamentais (contexto quantitativo)
- Clarity: Heatmaps e session recordings (contexto visual de comportamento)
- Notion: Documentação e base de conhecimento (saída estruturada)
- Slack: Alertas e notificações (comunicação com time)
- Google Meet: Transcrições de entrevistas (dados qualitativos)
4. LLM APIs (Claude, ChatGPT)
Para análise, categorização e síntese. Não uso apenas um — dependendo da tarefa, escolho o modelo mais adequado. O N8N permite trocar entre eles sem reescrever todo o workflow.
O segredo não está em usar todas essas ferramentas. Está em fazê-las trabalhar juntas, com você no centro orquestrando estratégia, não executando operações manuais.
Democratização com IA: Um caso prático
Quando o Vinicius Prado trouxe a ferramenta de micropesquisas Survicate para a MaisTodos, juntos lideramos sua implantação e governança com um propósito em comum: democratizar o acesso à pesquisa para PMs, GPMs e PDs, e escalar a prática na empresa.
Mas democratizar não é só dar acesso à ferramenta. É ResearchOps⁵ na prática: garantir infraestrutura(ferramentas certas) e desenvolvimento de competências (saber usar bem). Sem isso, você tem pesquisas mal estruturadas gerando decisões erradas.
Como garantir qualidade em escala? Manual no Notion? Ninguém lê 20 páginas.
Prototipei no Lovable um playbook conversacional — transformei nosso PDF de boas práticas em uma assistente de IA que orienta em tempo real. Dúvida sobre qual tipo de métrica precisa coletar? Pergunta. Não sabe qual pesquisa usar? Ela ajuda.
É ResearchOps automatizado: infraestrutura conectada + capacitação sob demanda.
Status? Em análise de custo e segurança. Mas o protótipo existe e prova o conceito.
Nem toda empresa adota IA imediatamente. O que importa é estar preparado para quando a estrutura permitir.
O Momento é agora
Sei que pode parecer técnico demais. Ou que você precise virar programador. Mas aqui está a verdade: não precisa. Eu mesma estou aprendendo isso agora, enquanto o mercado muda ao nosso redor.
O NN/Group previu que em 2025 veríamos uma integração massiva de IA em plataformas de research como Dovetail e Figma, tornando essas capacidades cada vez mais nativas. Mas a diferença entre usar essas ferramentas passivamente e orquestrá-las ativamente será o que separará profissionais estratégicos de executores operacionais.
E olha: não estou dizendo isso de um lugar de quem já domina tudo. Estou dizendo de quem está no meio da jornada, errando, aprendendo, recomeçando. Mas justamente por isso sei que é possível. Se eu — que há alguns meses só sabia usar ChatGPT para copiar e colar — consegui aprovar o Cursor na empresa e estou construindo meus primeiros workflows, você também consegue.
A questão não é se você sabe programar. É se você está disposto a evoluir de consumidor de IA para orquestrador de IA.
E se o mercado está difícil? Então esse é exatamente o momento de se tornar o tipo de profissional que o mercado vai precisar amanhã.
Começando: 3 Passos práticos
Se você está lendo isso e pensando “ok, mas por onde eu começo?”, aqui vão três ações concretas (testadas por mim):
1. Teste uma ferramenta de automação visual
Depois do curso da Luiza Sangalli sobre N8N, criei meu primeiro workflow: Google Sheets → Slack. Parece bobinho? Era. A cada entrevista qualitativa feita pelo time em campo, ele lia a planilha e avisava no Slack automaticamente.
Mas sabe o que isso mudou? Parei de ficar abrindo planilha a cada 30 minutos. Parei de perguntar “já fizeram mais entrevistas?”. O time atualizava a sheet, eu recebia notificação, pronto. Horas de atenção cognitiva recuperadas.
Seu primeiro workflow não precisa ser sofisticado. Precisa resolver uma dor real. Zapier, Make, ou N8N — escolha uma e conecte duas ferramentas que você já usa. Foi assim que comecei.
2. Identifique seu processo mais repetitivo
O meu foi: categorizar 600 comentários de pesquisa NPS. O seu pode ser transcrever entrevistas, organizar feedbacks no Notion, ou gerar relatórios semanais. Qual tarefa você faz toda semana que consome tempo mas não exige grande criatividade? Comece por aí.
3. Documente Seu Fluxo de Trabalho Ideal
Pegue papel e caneta (sério). Desenhe: se você pudesse ter um assistente que fizesse tudo no background, qual seria o processo perfeito? Da coleta de dados até o relatório final. Esse desenho é seu mapa. Foi assim que comecei a construir meu primeiro workflow.
Bônus: Procure comunidades. Tem gente fazendo isso no LinkedIn, no Discord de N8N, em grupos de UX Research. Não fique sozinho nessa jornada — eu não fiquei.
O Que Vem Por Aí
Vou ser direta: o momento é duro. Philip Burgess, estrategista de UX Research, publicou recentemente dados que não podemos ignorar⁴: 35% das organizações reduziram staff de UX (pior que 2008), postings de vagas caíram abaixo de 1.000 em 2025, e 21% das empresas demitiram researchers nos últimos 12 meses.
Mas aqui está o que também é verdade: a necessidade de research estratégico não desapareceu. O que mudou foi o tipo de profissional que o mercado procura.
Como Philip coloca: precisamos sair do mindset de “UX research como nice-to-have” e evoluir para “strategic value driver”. E isso passa por três movimentos:
1. Ampliar competências além do research tradicional
Não é virar programador. É entender de dados, analytics, automação — ferramentas que multiplicam seu impacto sem multiplicar headcount.
2. Mostrar ROI, não só processo
Empresas em contenção de custos precisam ver: “Este insight gerou quanto de economia? Quanto de receita? Quanto de redução de churn?”
3. Orquestrar, não só executar
Profissionais que conseguem escalar insights com IA, democratizar pesquisa mantendo qualidade, e transformar dados em estratégia com velocidade — esses estarão à frente.
Investi em workshops, N8N, Cursor, protótipos — não porque é “hype”, mas porque acredito que a melhor resposta para um mercado difícil é se tornar insubstituível. E insubstituível hoje significa dominar research clássico + orquestração tecnológica.
Como Philip diz no final: “Vamos usar este momento não apenas como desafio, mas como pivô. Um que redefine o que valorizamos e como entregamos como researchers.”
Eu escolhi pivotar para orquestração. E você?
Conclusão: Do Medo ao Movimento
É assustador? Sim. Exige esforço? Muito. Vale a pena? Ainda não sei se vai me salvar no mercado. Mas já vale pela transformação que está causando em mim.
Cada workshop, cada experimento, cada erro me ensina algo que ninguém pode tirar. Não me torna “insubstituível” (ninguém é), mas me torna mais adaptável. E num mercado incerto, isso já é muito.
Não estou aqui para vender certezas ou prometer que dominar IA vai resolver tudo. A verdade é que estou no meio dessa jornada, com protótipos que ainda não foram aprovados, workflows que ainda estou testando, e noites de ansiedade sobre se estou indo na direção certa.
Mas aqui está o que eu sei: estou aprendendo a orquestrar sistemas, entender APIs, pensar em automação. Isso fica comigo. Seja qual for o resultado, sou uma profissional diferente de 12 meses atrás.
Se você está sentindo a pressão do mercado, o peso da incerteza, a ansiedade de não saber se está fazendo a coisa certa — você não está sozinho. Eu sinto isso também. Acredito que tem mais pessoas sentindo isso por aí.
A diferença não está em ter certeza do resultado. Está em escolher se mover e aprender, mesmo sem garantias.
Eu escolhi orquestrar. Não porque sei que vai dar certo no mercado. Mas porque sei que já está me transformando como profissional.
E você?
Referências
¹ Nielsen Norman Group. (2025). “The UX Reckoning: Prepare for 2025 and Beyond”. Disponível em: https://www.nngroup.com/articles/ux-reset-2025/
² Indeed Design. (2023). “UX Design and UX Research Job Listings Plunged in 2023”. Disponível em: https://indeed.design/article/ux-job-listings-plunged-in-2023/
³ UIIntent. “Automate UX? Yes, Please! Why Zapier and n8n Are Real Super Tools for UX Teams”. Disponível em: https://www.uintent.com/case-studies-und-blog/automation-tools-for-ux-work-and-teams
⁴ Burgess, Philip. (2024). “The Harsh Reality of the UX Research Job Market — and How We Move Forward”. Disponível em: https://www.linkedin.com/pulse/harsh-reality-ux-research-job-market-how-we-move-forward-burgess-lle0e/
⁵ ResearchOps Brasil. “Mapa de ResearchOps”. Disponível em: https://researchops.com.br/mapa-de-researchops-3ac925f733ee
Referências Adicionais:
— UXPA São Paulo. (2023). “Panorama UX 2023: Demissões em massa marcam o cenário”. Disponível em: https://medium.com/@uxpasaopaulo/panoramaux2023-dc4e65af6011
— Maze. (2025). “The Future of User Research Report 2025”. Disponível em: https://maze.co/blog/ux-research-trends/
— SuperAGI. (2025). “Mastering AI Agent Orchestration in 2025”. Disponível em: https://superagi.com/mastering-ai-agent-orchestration-in-2025-a-step-by-step-guide-to-automating-complex-workflows/
— Tuia Design. (2024). “Principais tendências de UX para 2025”. Disponível em: https://tuia.design/principais-tendencias-de-ux-2025/